Luzes Efêmeras
As estrelas brilhavam acima do seu campo de visão, mas não as celestiais, é claro, no meio da metrópole não se podiam ver estrelas no céu, mesmo na Lua nova, inúmeros postes, faróis e edifícios bem iluminados faziam com a maestria o sombrio trabalho de ocultar as luzes celestes.
“Culpa das ondas, toda culpa é delas” – pensou ele.
Mas a que ele se referia não estava claro: seriam as ondas das luzes artificiais? (Não imagino como luz alguma possa ser artificial). Ou das ondas estelares enfraquecidas pela longa viagem? (Revolta-me ver tal esforço tão menosprezado). Ou seriam, por fim, as ondas que arrebentavam continuamente jogando areia no seu rosto e contribuindo com a tontura? (Neste caso, podemos observar como ele falha miseravelmente em delegar a culpa das coisas).
– Idiota – resmungou ele baixinho em meio a engasgos de água salgada.
Seria comigo?
Ah, não!
Claro que não.
Eu apenas sou aquela voz irritante que sussurra nos seus ouvidos, a sombra da visão periférica no escuro da noite, o odor pútrido que ele tanto esconde. Ou tenta esconder.
– Haha, que piada estúpida. Cuspido e rejeitado, nem me escondendo em suas águas você me aceita como oferenda! – Sua risada era bastante amarga e sarcástica. Ele se aproximou e fez uma mesura zombeteira.
Seria para mim?
Ah, não!
Claro que não.
Era para o mar, o mar da noite, o mar noturno. A profundeza azul que confunde a mente. Ele entrou furiosamente contra a arrebentação e, quando já estava satisfeito da profundidade, voltou-se para a costa. Prédios iluminados que barravam a brisa erguiam-se como um muro cintilante, talvez estivem em conluio com o ruído urbano, buzinas enfurecidas, risadas bêbadas e o som de gargantas e artifícios humanos. Uma combinação intimidadora que podia barrar qualquer investida do oceano.
Mas lá estava ele.
Batendo e existindo continuamente, ventando e corroendo impiedosamente, mareando e maravilhando naturalmente.
E eu sabia o que ele tanto olhava.
As luzes.
Naturais ou artificiais, tanto faz.
Ele observava toda a luz: o modo como a água refletia os postes, e o reflexo que acompanhava a subida das ondas, e como a luz se espraiava dissipando-se na areia.
As ondas.
Suspiro.
Mergulho.
Suspiro.
– Você deseja afundar, deseja findar todo esse peso, deseja querer silenciar o zumbido do vazio – disse eu. Pausa dramática. Então continuei.
– Mas ainda continua ancorado à superfície. Você não está vazio. De fato, você está cheio, cheio de tristeza, cheio de alegria, cheio de amor…
– Cheio de dor… – sussurrou ele.
– É só… São coisas demais a serem sentidas, e você não precisa negá-las. Não tem problema sentir, não há vergonha em existir, não pode negar-se sentir. Ah, deuses! Como eu queria poder abraçá-lo, afagar-lhe os cabelos e embalá-lo em sono. Retirar o peso dos pensamentos e clarear sua mente….
Ele abriu os braços e começou a boiar. Suspirei, mas continuei a falar:
– Mas não posso, não consigo! Não é de minha natureza. Eu quebro elos, destruo a ordem, lamento meus atos. Da mesma maneira que os meus semelhantes criam vórtices ao redor de suas vidas, eu também faço. E eu também os consumo. Eu gostaria de te trazer alívio, mas sou incapaz de fazê-lo.
Ele encarava o céu noturno.
Sua mão se estendeu e tocou a minha. Senti a intensidade da Existência, senti o peso do que ele sentia, senti o que eu sempre senti.
Seria esse toque… real?
Ah, não!
Claro que não.
Aquele toque me sugava, e me absorvia, e me envolvia. E todo o meu ser escorria para ele. No fim das contas, era ele quem abraçava, era a mim quem ele abraçava. E nos tornamos um só.
E quem eu era?
Eu sou a quebra. Eu sou Efêmera. Eu sou a Dor.
Abri os olhos e vi estrelas.